No Roda Viva

escrita criativa livre

Foto: Maria Dinat

E então, depois de brincar muitas vezes na cadeira giratória do escritório, eu estava ali de fato, no estúdio da TV Cultura para gravar o Roda Viva, em que eu seria o entrevistado. Ao meu redor, ícones da televisão brasileira, dentre eles alguns grandes jornalistas e outras personalidades da cultura no Brasil. Minhas pernas levemente trêmulas, mas estar sentado, facilitava o processo. O ar gelado do estúdio inibia um pouco do meu suor excesso, mas deixava a garganta ainda mais seca. Tomei um gole da água e comecei:

– Quem sou eu?
– Bom dia! Meu nome é Stanley, tenho um trabalho complexo e burocrático, mas estou aqui para me conhecer melhor e dar vazão às minhas inclinações artísticas. Já quis ser ator, mas hoje meu foco é a escrita, que funciona para mim como um processo terapêutico, uma possibilidade de comunicação com o mundo, uma porta através da qual dou passagem aos meus medos e aos meus sonhos.

– Por que escrevo?
– Escrevo porque é meu jeito de ordenar as ideias, de interpretar o mundo, alinhavar os pontos entre sinais que vão chegando, de tomar contato com o mundo de turbulências que há no meu íntimo. De processar o bom e o ruim e tentar transformar em algo que seja maior que eu, que a soma das minhas experiências. De transformar a dor em beleza, de dar concretude aos sonhos e pintar a realidade com lirismo.

– Como se dá o processo criativo?
– Quero a fome, a flor, o cheiro,
a abelha, o mel.
Eu corri demais e, um dia,
senti que a linha de chegada
tinha ficado pra trás.
“Eu vou indo correndo
pegar meu lugar no futuro”.
Corri tanto que perdi
a emoção da plateia torcendo,
passei direto pela faixa,
pelo pódio,
sem tempo de saborear a vitória.
Quando percebi a roda vida
em que me meti,
que não comandava mais
a engrenagem,
só cumpria tarefas.
Parei, desacelerei,
respirei fundo.
“Ando devagar
porque já tive pressa”.
Eu preciso de tempo
pra sentir o vento no rosto,
o gosto da primavera que
tem uma manhã de sol.
Eu posso sentir tudo ao mesmo tempo,
mas quero gozar a oportunidade
de cada momento,
de cada sensação.
“Meu tempo é agora!”

– Quais são as minhas inspirações?
– Existe aquela poesia que te
faz tirar os óculos e sorrir,
olhando da janela,
imaginando universos
paralelos em que
as palavras brincam de roda no dicionário.
E existem aqueles textos que
te deixa deixam mudo, como
um soco inesperado,
pisar num caco de concha
na praia ou um chá gelado
batendo errado
num estômago doído.
Poetices de Manoel de Barros
que cantam
uma meninice com
cheiro de pipoca.
Poetapas, como os de
Wislawa e Aline Bei,
que trazem à boca
um gosto sanguíneo
de ferro, como se você
tivesse mordido, por acaso.
Mas, não foi por acaso,
foi reação à leitura e
você mordeu, e doeu,
mas doeu mais foi
por dentro.
O poeta pode até ser
fingidor, mas a dor
do leitor é de verdade.
O poeta vê a dor de
todos os leitores e
retira delas o suco de sua
existência.
A quintessência da poesia.

– Stanley por Stanley:
– Corro o papel tentando semear palavras
Plantar ideias antes que se dissipem
Na falta delas, tento desenhar
Já quis cantar, e às vezes até solto a voz
Mas nem sempre é confortável
Muito íntimo, talvez.
Mostrar-se se por inteiro a quem anda por aí partido
Mostrar-se em cada pedaço, quando fragmentado e frágil
Mostrar-se em força de palavra e tinta, quando já não se dá mais valor a rascunhos?
Todos esperando experiências perfeitas, prontas, enlatadas.
Escrevo porque a existência é limitada. E a única forma de deixar provada a passagem sobre a terra é fixando-a em algum suporte.
Em algo que suporte a imensidão da dor e beleza que é viver.
Escrevo como profissão de fé: palavra que ainda acredito!

Stanley Valeriano
(Rio, 18/12/2023)

O texto criado pelo Stanley foi feito a partir da ideia de uma auto entrevista. Um processo para falar da própria escrita, história de vida e do que mais a inspiração mandar. Uma prática de escrita criativa livre, que pode gerar textos diversos.