Tem quem escreva porque gosta. Tem quem escreva como exercício, como desejo, obrigatoriedade ou ambição. E tem quem escreva porque precisa.
Eu sou uma pessoa autista que tem bastante dificuldade com a palavra falada. Tem dias que, para falar, é preciso fazer uma força monumental. E sempre que falo falado, em voz alta, o que sai não é exatamente o que eu estava pensando. O tempo de processamento é outro, não funciona tão bem ao vivo.
A palavra escrita é onde eu falo mais alto. É uma possibilidade de dizer exatamente o que eu quero, quando eu quero, com a minha própria personalidade, é a minha melhor chance, desmascarada. E é assim com muita gente. Você tem olhado para essas pessoas?
A escrita, mesmo poética, é uma ferramenta, e não só uma arte.
Vivemos em um mundo de palavras faladas. Na escola, é falando que se faz amigos. É falando que se apresenta trabalhos e ganha nota. É falando que avaliam se você é uma boa pessoa para ter por perto. Para começar a trabalhar, você precisa fazer uma entrevista. Falada. Conseguindo a vaga, é esperado que você fale nas reuniões. Para ter conversas difíceis, é educado que seja, no mínimo, por ligação. Marcar consultas, ser atendido, reencontrar amigos, conhecer novas pessoas. É preciso falar pra muita coisa.
São pouquíssimos os espaços em que não falar pode ser bem visto e aceito. Por mais que a pandemia e o avanço das tecnologias tenham aberto muitas portas nesse sentido, ainda não é de senso comum procurar entender as formas de comunicação preferidas de cada pessoa e ajustar os processos e relações de acordo.
Mas esses espaços existem. O exemplo suspeito que eu vou usar é do nosso próprio grupo, mas calma lá que eu explico. Uma das premissas do Escrita Matinal, nosso grupo de escrita criativa, é que você participe da forma que for mais confortável para você. Você pode entrar nos encontros ao vivo, ou não. Se entrar, pode ligar a câmera, ou não. Falar falado, ou não. Digitar, ou não. Se apresentar, ou não. Interagir com os outros participantes do grupo… ou não.
E sabe o que faz, esse “ou não”?
Ele deixa espaço de respiro. Ele tira um peso.
Tira tanto que, mesmo quem tem dificuldade, sente vontade de falar, de trocar, de interagir. Ou não… e se não der, a pessoa continua sendo parte do grupo, por inteiro. Sente a leveza?
Eu espero que você comece a olhar para os espaços que frequenta e pensar se está cuidando das diferentes formas de expressão. Se está deixando respirar, ou empurrando de um abismo. E eu espero que, no futuro, existam mais espaços como o que estamos construindo aqui.
Sabe?
Deixa respirar.
Que a gente voa.
Com amor,
Dica literária: o livro “Poemas de amor no divã”, de Liana Ferraz, conta a história de uma personagem que só se comunica com seu analista através de poesia.