Sempre que observo algum prédio durante a noite sou tomada por um pensamento gigante. Tipo quando a gente pensa sobre a morte ou sobre o universo e o sistema entra em choque, sabe?
Fico olhando as janelinhas. Algumas pessoas na cozinha. Outras conversando na sala. Outras olhando para o lado de fora, algumas passando peladas no quarto. Algumas andando de um lado para o outro, outras sentadinhas na sacada.
Pessoas dividindo um mesmo espaço, uma mesma casa quase, vivendo em mundos paralelos, sabendo muito pouco umas sobre as outras – exceto pelos arquétipos de reuniões de condomínio e grupos do WhatsApp, que todo prédio tem igualzinho e todo mundo já sabe até demais sobre essa gente, mas isso é assunto pra outra hora.
O pensamento aumenta. A gente passa por tantas pessoas na rua. Vê um rosto, um corpo, umas roupas, se der sorte ouve uma voz. Aí a pessoa passa e ela acaba pra sempre. Pelo menos pra gente. Vê o tamanho do meu buraco?
Se a gente der um passo, por menor que seja, pra dentro de cada uma dessas pessoas, do prédio, da rua, ou até mesmo pra dentro de pessoas que já estão nos nossos círculos e nunca demos abertura, é todo um universo que se abre. Uma história, uma família, preocupações, sonhos, desejos, manias, defeitos, trejeitos. Coisas que jamais existiriam dentro da gente sem o primeiro passo.
O negócio é que é tipo Kinder Ovo, o brinquedo é surpresa. Você pode encontrar seu melhor amigo da vida. Ou deixar ele passar. Você pode encontrar alguém que vai acabar com o seu psicológico e te resultar em anos de terapia. Ou uma parceria que vai mudar completamente a sua vida. Você pode encontrar um amor. E deixar ele passar. A vida é demais.
Onde estou indo com tudo isso, você se pergunta? Pois é, eu também não sei, estou indo com você. Falei que o pensamento era gigante.
O fato é: tem muita coisa que só passa a existir na gente se a gente deixa. E tem muita coisa que já existe e a gente só vai ver quando outra coisa abrir aquela porta, ou apertar a campainha.
Os dispositivos que são apresentados aqui no nosso grupo de escrita criativa são tipo isso. Um convite pra espiar por alguma janelinha, entrar por alguma porta. Um convite pra parar alguém novo na rua (ou dentro da gente) e perguntar: e aí, quem é você?
Quem é?
Quando descobrir, você me conta.
Com amor,