Criatividade: um dom de poucos?

Muito se diz por aí que a criatividade é um dom reservado para poucas pessoas. Mesmo com os debates, as conversas e as crescentes reafirmações de que talvez não seja bem assim, continua sendo uma crença enraizada na percepção comum e também nas nossas escolhas, ainda que inconscientes. 

Porque algumas pessoas parecem mesmo muito mais criativas, não parecem? 

Pessoas que criam muitas coisas em pouco tempo, que sempre chamam a atenção por terem ideias sensíveis, geniais ou muito bem executadas.

O que a gente às vezes falha em lembrar é que nenhuma dessas coisas tem muito a ver com uma quantificação da criatividade (que, aliás, nem tem unidade de medida). A gente julga uma pessoa como muito criativa a partir de outras réguas: produtividade, senso estético, técnica, palco, entre outros, enquanto cismamos em diminuir as nossas e os nossos processos por trás das cortinas.

Duvido encontrar uma pessoa que seja criativa mais vezes em um único dia do que uma mãe ou um professor de escola primária. É que talvez seja hora de começar a olhar a criatividade por outras lentes e aprender a reconhecê-la e celebrá-la também no cotidiano. 

Na receita que a gente inventou, na decoração daquela festa de aniversário, no marca-páginas improvisado, na mistura para tirar mancha de roupa, na organização do cronograma do dia e também nos nossos projetos de expressão artística.

“A criatividade é um mutante. Num momento, ela assume uma forma; no instante seguinte, uma outra. (…) Será que o emprego de pigmentos e telas, ou de lascas de tinta e papel de parede, é comprovação da sua existência? E o que dizer da pena e do papel, de bordas floridas no caminho do jardim, da criação de uma universidade? É, isso mesmo. E de passar bem um colarinho, de criar uma revolução? Também. Tocar com amor as folhas de uma planta, reduzir a importância de certas preocupações, dar nós no tear, descobrir a própria voz, amar alguém profundamente? Também. (…) Tudo isso pertence à vida criativa.” (Clarissa Pinkola)

Tudo que a gente precisa para começar a criar já está acontecendo, e acontece sempre. Fazer algo com criatividade talvez seja menos sobre um dom extraordinário e mais sobre se colocar à disposição de, sem julgamentos ou entraves. 

Quanto mais a gente se expõe a esses estímulos e passa a reconhecer quando os utilizamos, com mais frequência a criatividade consegue nos encontrar passeando pelo nosso próprio caminho.